domingo, 8 de outubro de 2017

Um mundo nulo

é preciso dizer
apesar do mundo,
do que não é dito, mas n'alma cala fundo
uma insonoridade feita para se temer
que se cale o mundo!
que o genuíno permaneça obscuro!
ainda assim escrever e escrever...
sem quê nem para quê
criar um despretensioso mundo
de gritos silenciosos, de homens mudos
para por fim perceber,
a mim mesmo e o meu não ser,
uma vez mais, nulos!

sábado, 19 de novembro de 2016

Palavras, pra que te quero!


É de fato inconcebível escrever por escrever? Em preâmbulo sintético já explico - ou tento -, sem que haja necessidade de uma história, dos famosos "início, meio e fim", dos personagens ou das ideias... talvez me reste apenas uma, a ideia de que as palavras sejam personas da não-história que se segue nestas linhas que sequer conheço. Então, que cada verbo me convide a chegar até o último parágrafo deste amontoado de letras e vazio.

Devo confessar, este sempre me foi um pensamento pueril. Não de hoje ele me consome, mas desde os tempos de imberbe, por sob a batuta do tempo este marginal pensamento, ainda que vez por outra, rege minha escrita, transfigurando-a até assumir uma monstruosa forma alguma. E, de maneira inequívoca! Sobre isso não há dúvida

Eis que mais e mais palavras se somam às outras, orações são formadas sem um único intuito que não o de prosseguir. Tal como a vida - esta incansável entidade - que segue a usar todos os seres para permanecer o que é, vida. Talvez assim eu seja, a usar palavras para permanecer o que sou, nada. Ou talvez alguém há de elucubrar uma tese deveras mística, apontando para elas, as palavras, donas da vontade de usar-me para permanecerem aquilo que são, palavras apenas.

Talvez seja devaneio tal conjunto de palavras desencontradas, sem que exista um único elo para estarem de fato unidas. Ainda assim elas seguem um rumo - certamente eu devo exercitar minha prosa -, um norte para onde se aponta um caminho sem volta.

Estas palavras podem até ter destino, então. Pois bem, que desfrutem dele bem antes de que eu seja conhecedor. Mas, se desta forma são, permitam-me lembra-lhes, entre um vírgula e outra, que elas não tem passado, o que me faz concluir que não possuem sul. Ou seja, tomam um norte porque não há mais o que se seguir, nem onde parar, nem mesmo o que recobrar.

Triste fim das palavras sem passado, do texto apontando para o verbete que nunca chega, do parágrafo derradeiro e inócuo!


segunda-feira, 11 de março de 2013

O manco poeta


o verso, a prosa, a verve retórica
do poeta claudicante
- aquele que não anda, manca -
é feita de verbo alucinante

ainda que não cante
é de melodia insinuante
as palavras que não servem a dança
é inteira poesia dissonante

a música nunca foi sua companheira
sempre afeito ao silêncio, despreza os sambas
prefere continuar errante
mancando enquanto sua caneta dança

- De que me servem as pernas?!
se perguntava e seguia trôpegamente adiante
"lá se vai o poeta manco", diziam e gargalhavam
diante de versos tolos todos se agigantam

No horizonte em que o poeta e os outros não mais se viam
um aceno discreto, um adeus intrigante
e ninguém nunca mais ouviu falar de sua poesia
ou de sua caneta dançante

a chuva, o recife e além


Foi quando o vento aumentou, trazendo consigo a chuva que vinha do mar. Primeiro molhando armazém por armazém do antigo porto do Recife. Adentrando, depois, pelas ruas e vielas que abrigam as históricas construções no velho centro da cidade cosmopolita. Logo após, com a velocidade de um raio, a chuva foi tomando a cidade, ponte a ponte. Como uma explosão, em segundos toda a região metropolitana via cair do céu uma chuva grossa. E, nas favelas, dentro dos barracos, só se ouviam orações para que a chuva cessasse rapidamente.

Ao teatro!

Será esquizofrenia? O que até bem pouco tempo atrás era apenas um incompreensível conjunto de letras que formavam frases desencontradas, esparramadas em diálogos empoeirados, agora parecem ter vida, como se um conjunto de traços fosse capaz de lhes dar forma, transformando o que antes era só ideia vaga, em nada menos do que arte em carne viva. 

- Viva Dionísio! - gritei.


Do espanto ao encanto, não se passaram milésimos de segundos meticulosamente cronometrados. Quando das cortinas fechadas e do cessar das palmas, levantei-me relutante e segui meu meu caminho para nunca mais sair daquele teatro.

Mata Norte


Hoje a mata não ferve
pois, banhada em profunda noite,
mata sua sede,
afoga-se em noite e lua.
O canavial separou-se do verde,
já não há luz, cor
torna-se-ia melhor em noite estrelada?
Mas, se foge do comum ardor,
com pura verdade,
faz do escuro, morada.

curto e grosso

depois da queda
o coice
não importa sua quimera
exposta em estático close
você não se adéqua
torpe!

cidades, encontros, caminhos e egocentrismo

Nenhuma cidade dorme. Há sempre uma estridente gargalhada parecendo vir do nada, um cantar de pneus, uma porta batendo, um grito abafado. E, por mais que o cotidiano torne turvo o nosso olhar, nenhuma cidade é desprovida de encanto. Em uma encruzilhada ou esquina, caminhos se encontram e se despedem. Sendo nas praças onde o convívio prevalece. Pois, não são caminhos, são comuns destinos, singulares referências geográficas de elaboradas formas geométricas, às margens das ruas que passam, dos caminhos que se seguem. E, em casa, diante do horizonte projetado pela janela, é que sua cidade desabrocha de fora para dentro, quando você não se distingue dela e deixa de ser o centro.

Tua ataraxia


no momento em que realmente parar
quando for o instante de perceber
e a sua respiração falhar
só, então, questionará o seu querer
já muito tarde para uma última oração
ainda bastante cedo para acordar do pesadelo
não lhe restarão os anéis, nem dedos
quando de súbito se deparar
sem que lhe seja possível fugir
do fato de que não houve e não há
verdade no teu respirar
perplexo, no vôo cego de sua última peripécia,
ao som de trombetas e com pouca pressa,
em turvo horizonte, ao longe da sobriedade
se desenhará tua tacanha e derradeira aurora
sem que possa utilizar-se da mediocridade,
auxílio que lhe fazia tão grande outrora...

sábado, 10 de março de 2012

Memória vazia

Esqueci de meu nome em plena Avenida Brasil, dentro de um ônibus abarrotado de rostos suados, semblantes tensos e silêncio profundo. Foi como um estalo. De pronto me levantei e me dirigi até a porta de saída. Um tanto quanto envergonhado, desci na primeira parada. Com o olhar distante, mirava além do mar gente que se espremia e quase que violentamente se esbarrava. Não titubeei, com o passo firme segui adiante, vencendo transversais, sinais e comerciantes ambulantes. Parecia ter a pressa dos que olhavam apreensivos para os relógios, dos que se engalfinhavam por um taxi, dos motoristas a praguejar. Então, de forma abrupta, resolvi parar de andar. Não lembrava do meu nome, mas do maço de cigarros amassado no bolso esquerdo da minha calça, jamais me esqueci. Puxei um cigarro e logo alguém esbarrou em mim. Ser um corpo estranho naquela calçada com tantas pessoas em um frenético movimento até teria chamado minha atenção, mas estava mais preocupado em achar um isqueiro ou uma caixa de fósforos nos poucos bolsos que me restavam. Uma busca vã, mas que me fez perceber estar sem carteira. Algumas moedas, um chaveiro esquálido e duas notas de dez reais era o que o ínfimo universo dos meus bolsos continha. Já com o cigarro na boca e com a testa franzida, foi como sentir raiva de mim mesmo pela primeira vez na vida.