segunda-feira, 11 de março de 2013

O manco poeta


o verso, a prosa, a verve retórica
do poeta claudicante
- aquele que não anda, manca -
é feita de verbo alucinante

ainda que não cante
é de melodia insinuante
as palavras que não servem a dança
é inteira poesia dissonante

a música nunca foi sua companheira
sempre afeito ao silêncio, despreza os sambas
prefere continuar errante
mancando enquanto sua caneta dança

- De que me servem as pernas?!
se perguntava e seguia trôpegamente adiante
"lá se vai o poeta manco", diziam e gargalhavam
diante de versos tolos todos se agigantam

No horizonte em que o poeta e os outros não mais se viam
um aceno discreto, um adeus intrigante
e ninguém nunca mais ouviu falar de sua poesia
ou de sua caneta dançante

a chuva, o recife e além


Foi quando o vento aumentou, trazendo consigo a chuva que vinha do mar. Primeiro molhando armazém por armazém do antigo porto do Recife. Adentrando, depois, pelas ruas e vielas que abrigam as históricas construções no velho centro da cidade cosmopolita. Logo após, com a velocidade de um raio, a chuva foi tomando a cidade, ponte a ponte. Como uma explosão, em segundos toda a região metropolitana via cair do céu uma chuva grossa. E, nas favelas, dentro dos barracos, só se ouviam orações para que a chuva cessasse rapidamente.

Ao teatro!

Será esquizofrenia? O que até bem pouco tempo atrás era apenas um incompreensível conjunto de letras que formavam frases desencontradas, esparramadas em diálogos empoeirados, agora parecem ter vida, como se um conjunto de traços fosse capaz de lhes dar forma, transformando o que antes era só ideia vaga, em nada menos do que arte em carne viva. 

- Viva Dionísio! - gritei.


Do espanto ao encanto, não se passaram milésimos de segundos meticulosamente cronometrados. Quando das cortinas fechadas e do cessar das palmas, levantei-me relutante e segui meu meu caminho para nunca mais sair daquele teatro.

Mata Norte


Hoje a mata não ferve
pois, banhada em profunda noite,
mata sua sede,
afoga-se em noite e lua.
O canavial separou-se do verde,
já não há luz, cor
torna-se-ia melhor em noite estrelada?
Mas, se foge do comum ardor,
com pura verdade,
faz do escuro, morada.

curto e grosso

depois da queda
o coice
não importa sua quimera
exposta em estático close
você não se adéqua
torpe!

cidades, encontros, caminhos e egocentrismo

Nenhuma cidade dorme. Há sempre uma estridente gargalhada parecendo vir do nada, um cantar de pneus, uma porta batendo, um grito abafado. E, por mais que o cotidiano torne turvo o nosso olhar, nenhuma cidade é desprovida de encanto. Em uma encruzilhada ou esquina, caminhos se encontram e se despedem. Sendo nas praças onde o convívio prevalece. Pois, não são caminhos, são comuns destinos, singulares referências geográficas de elaboradas formas geométricas, às margens das ruas que passam, dos caminhos que se seguem. E, em casa, diante do horizonte projetado pela janela, é que sua cidade desabrocha de fora para dentro, quando você não se distingue dela e deixa de ser o centro.

Tua ataraxia


no momento em que realmente parar
quando for o instante de perceber
e a sua respiração falhar
só, então, questionará o seu querer
já muito tarde para uma última oração
ainda bastante cedo para acordar do pesadelo
não lhe restarão os anéis, nem dedos
quando de súbito se deparar
sem que lhe seja possível fugir
do fato de que não houve e não há
verdade no teu respirar
perplexo, no vôo cego de sua última peripécia,
ao som de trombetas e com pouca pressa,
em turvo horizonte, ao longe da sobriedade
se desenhará tua tacanha e derradeira aurora
sem que possa utilizar-se da mediocridade,
auxílio que lhe fazia tão grande outrora...